MPF vai à Justiça para que Funai, União, governo e prefeitura tomem providências quanto à Casa do Índio
Falhas na estrutura do imóvel e corte no fornecimento de água e energia elétrica são alguns dos problemas do local
Por meio de ação civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) requer que a Fundação Nacional do Índio (Funai), a União, o estado de Rondônia e o município de Porto Velho tomem providências com relação à Casa do Índio. Os indígenas que se deslocam temporariamente para a capital passam por situação de vulnerabilidade no lugar em que deveriam ser acolhidos.
A ação pede que os responsáveis pela deterioração da Casa do Índio realizem reformas emergenciais no local que garantam, provisoriamente, o mínimo de conforto aos indígenas. O reparo do forro e das telhas, a correção de fissuras estruturais, o conserto dos banheiros, a instalação de um poço artesiano e de uma cozinha coletiva e a instalação de uma nova rede elétrica no imóvel são algumas das obras solicitadas.
Condições do local – Os grupos indígenas que vêm até Porto Velho em busca de seus direitos ficam hospedados na Casa do Índio. Há 50 anos o local serve como ponto de apoio e casa de passagem para indígenas das etnias Karitiana, Karipuna, Cassupá e Salamãe, mas se encontra em situação de insalubridade e coloca suas vidas em risco.
Em 2012, a Associação dos Povos Indígenas Karipuna relatou ao MPF a situação de vulnerabilidade do local. Na ocasião, foram relatados diferentes tipos de violações, entre elas falhas na estrutura do imóvel, corte no fornecimento de água e energia elétrica e a falta de assistência da Funai para encontrar uma solução para o problema.
Após investigação realizada pelo MPF, a Funai relatou que o fluxo de indígenas no local era intenso, seja pela criação das Associações Indígenas Karitiana e Karipuna ou pelas oportunidades de renda que a capital de Rondônia oferece a eles. Ainda segundo a Funai, com esse movimento de ocupação, os espaços para moradia já estavam insuficientes, então os indígenas começaram a construir barracos desestruturados em um processo de favelização. Desse modo, a Fundação relata ter ficado sem condições de arcar com as despesas do local (água e energia elétrica).
Esses serviços foram sendo restringidos cada vez mais, até o momento em que foram totalmente interrompidos, inviabilizando a manutenção das condições básicas de moradia e trabalho na Casa. Porém, a ação ressalta que a interrupção dos serviços foi pedida pela Funai como forma de expulsar os indígenas do local – os mesmos indígenas que utilizam esse ponto de apoio há 50 anos. A Fundação não ofereceu outra alternativa de estadia para os membros da Casa do Índio.
O local se encontrou então em uma situação insalubre, com falta de saneamento básico, esgoto a céu aberto, canos estourados, fiação de energia elétrica exposta, risco de desabamento de parte do imóvel, infestação de cupins nas estruturas de madeira, entre outros problemas que ferem a dignidade humana dos povos e dos servidores lá instalados.
Segundo o MPF, a postura da Funai em abandonar os indígenas das etnias de Porto Velho, precarizando os serviços públicos essenciais cada vez mais escassos prestados nas aldeias, deu motivos para que os indígenas viessem em maior número para a cidade atrás de serviços públicos e melhor qualidade de vida. O Poder Público falhou em sua missão de proteger e dar apoio a essas comunidades em seus próprios territórios.
Uma perícia técnica e de engenharia realizada pelo MPF constatou que o local é insalubre e está em severa precariedade. A falta de manutenção das coberturas (telhas quebradas, trincadas e deslocadas), causam até patologias nos indígenas ali hospedados. Além disso, todos os blocos apresentam fissuras e trincas não estruturais e estruturais causadas por degradação, exigindo reparos de urgência. Foram observados fogões com botijão de gás próximos a camas, colchões e redes, situação que causa risco de incêndio.
As perícias também atestaram a tradicionalidade da Casa do Índio, razão pela qual foi estabelecida como fundamental a adoção das medidas cabíveis pelos órgãos responsáveis para manutenção do local como ponto de apoio digno às comunidades indígenas da região.
A Santo Antônio Energia ofereceu a reforma completa da Casa, que seria creditada de recursos do Plano Básico Ambiental (PBA) devido pela empresa como compensação ambiental em razão dos impactos causados pela usina hidrelétrica de Santo Antônio nos territórios das etnias atingidas. A empresa ainda não executou o PBA única e exclusivamente devido ao setor de licenciamento e presidência da Funai. A Fundação é omissa em atualizar, aprovar e assinar os convênios com as modificações propostas pelos indígenas.
Em 2019, o MPF pediu por meio de recomendação que a Funai prestasse assistência aos indígenas, executasse obras emergenciais que diminuíssem os riscos de desabamento e incêndio no local e que avaliasse a proposta apresentada pela Santo Antônio Energia para reforma da Casa.
Em resposta, a Funai reconheceu as condições do imóvel e sua responsabilidade pelo monitoramento e articulação de políticas públicas voltadas à assistência social dos indígenas. Mas sem consultar as etnias usuárias do local, o órgão determinou o acionamento da Rede Assistência Social local como solução para o problema, uma vez que as famílias ocupantes da Casa do Índio seriam, então, acolhidas emergencialmente (mas não mencionou o local e nem o plano de acolhimento) e o imóvel ficaria desocupado para deliberação de sua destinação. Na visão da Funai, a melhor destinação para o imóvel seria a demolição das estruturas. A Fundação não realizou nenhum dos serviços emergenciais recomendados.
Descaso – Por mais que fossem realizadas reuniões sobre o assunto, nenhuma atitude foi tomada quanto às reformas necessárias da Casa do Índio, e com o advento da pandemia, a situação dos abrigos municipais se agravou, uma vez que o município acolheu muitos indígenas da etnia Warao, vindos da Venezuela, lotando seus estabelecimentos. Ou seja, não há outro local para alojar os indígenas usuários da Casa.
É responsabilidade da Funai garantir o cumprimento da política indigenista do Estado brasileiro, viabilizando a promoção dos direitos sociais, econômicos e culturais dos povos indígenas por meio da formulação, coordenação, articulação e monitoramento das medidas cabíveis (incluindo aquelas de atribuição de outros órgãos, por uma ação conjunta).
De acordo com depoimento de indígenas à perícia antropológica realizada no local, a Casa do Índio de Porto Velho é o “ponto dentre pontos ligados por linhas de vida coletiva de cuja malha afirmam: ‘nosso território’”. É nela que indígenas Uru-Eu-Wau-Wau e Karipuna podem, por exemplo, conversar entre si em sua própria língua, como sempre fizeram desde a atração para a cidade.
Os grupos étnicos que utilizam o local não visam uma declaração de tradicionalidade de toda a cidade de Porto Velho, mas apenas de uma área específica tradicionalmente aglutinadora de suas culturas. Segundo o MPF, é de extrema importância a manutenção da Casa do Índio como um espaço para hospedagem temporária para os indígenas.
A ação civil pública é a de número 1004654-32.2021.4.01.4100 e pode ser consultada na página do Processo Judicial Eletrônico (PJ-e) da Justiça Federal.
Fonte: Assessoria