Plantio Direto e sucessão de culturas selecionadas para mitigar emissões de óxido nitroso no Cerrado
O Sistema Plantio Direto (SPD) apresentou, em relação ao planejamento convencional, menores emissões cumulativas de óxido nitroso
Pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF) e da Universidade de Brasília ( UnB ) avaliaram possíveis efeitos de diferentes manejos do solo, rotações e sequências de culturas, além de fatores climáticos e solos que propiciam emissões de óxido nitroso (N2O) de solos no bioma Cerrado e constataram que o Sistema Plantio Direto (SPD) apresentou, em relação ao planejamento convencional, menores emissões cumulativas desse que é um dos principais gases de efeito estufa (GEE), com longo tempo de permanência na atmosfera e contribuição significativa para o aquecimento global . Os resultados do estudo indicaram, ainda, que o manejo convencional com soja ou milho na safra principal, sem uma sucessão cultural, e a fertilização nitrogenada intensificando as emissões de N2O do solo no Cerrado.
No Cerrado, poucos estudos de longo prazo abordam a influência do manejo de culturas e dos sistemas de rotação nas emissões de N2O do solo. “Os efeitos dos sistemas de uso da terra nas emissões desse gás são o resultado de múltiplas variações cujas interações precisam ser melhores descobertas”, justifica a pesquisadora Alexsandra de Oliveira , um dos autores do artigo Efeitos do manejo do solo, rotação e sequência de culturas em emissões de óxido nitroso do solo no Cerrado: Uma avaliação multifatorial , publicado no Journal of Environmental Management .
Como foi feita a pesquisaO estudo foi realizado numa área da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), durante 25 meses, em um experimento de longa duração instalado em 1996. Foram avaliados três sistemas de uso da terra: planejamento direto com rotações e sequências bienais de sorgo após a soja nos dois primeiros anos e feijão-guandu após o milho nos dois anos seguintes (sistema de planejamento direto soja-sorgo/milho-feijão-guandu); plantio direto com rotações e sequências bienais de milho-feijão guandu nos dois primeiros anos e sorgo após a soja nos dois anos seguintes (sistema plantio direto milho-feijão-guandu/soja-sorgo); plantio convencional com grau de discos e rotação bienal soja-milho (plantio convencional soja/milho); além do Cerrado nativo sem uso agrícola. Os dados foram encontrados entre outubro de 2013 e outubro de 2015.
Com o uso de câmaras estáticas fechadas instaladas nos tratamentos, os fluxos de gases do solo foram amostrados 230 vezes ao longo do período da avaliação dos sistemas, com intervalos definidos por eventos como aplicação de insumos, preparação do solo (sob manejo convencional), chuvas , dados de plantio, reumedecimento do solo após veranicos, dados de colheita, senescência (envelhecimento das plantas), pousio, entre outros fatores que podem influenciar os picos de N2O. A concentração de N2O das amostras foi determinada em laboratório por cromatografia gasosa.
Ilustração: Wellington Cavalcanti com base em conteúdo de Fabiana P. Ribeiro |
Resultados
Os autores observaram que as emissões acumuladas de N2O foram influenciadas pelo tipo de manejo do solo e da cultura. Os fluxos cumulativos tanto no primeiro como no segundo ano foram maiores no preparo convencional, sendo que para todo o período analisado (2013-2015), as emissões acumuladas no plantio convencional de soja/milho foram de 4,87 kg por hectare (ha), seguidas pelo plantio direto (SPD), sendo 3,47 kg/ha em sistema de plantio direto soja-sorgo/milho-feijão-gundu e 2,29 kg/ha em plantio direto milho-feijão-guandu/ soja-sorgo; além de 0,26 kg/ha na área com vegetação natural do Cerrado. Na comparação anual, os valores no segundo ano foram maiores para todas as áreas avaliadas, exceto no Cerrado ( ver tabela 1 ).
Foram avaliadas, conforme cada tratamento, as emissões da primeira safra (soja ou milho) e da segunda safra (sorgo ou feijão-guandu). Para a cultura principal (primeira safra), a única diferença significativa foi observada no segundo ano (2014-2015), com as maiores emissões observadas no plantio convencional (2,29 kg/ha), seguidas pelos tratamentos com planejamento direto soja-sorgo /milho-feijão-guandu e milho-feijão-guandu/soja-sorgo e, por último, pelo Cerrado.
Mas as diferenças foram marcantes na segunda safra em ambos os anos. Embora não tenha sido plantada uma segunda safra no plantio convencional – para esse sistema, foi analisado o mesmo período em que os demais sistemas são com culturas, com plantio convencional soja/milho tendo emissões estatisticamente semelhantes ao sistema de plantio direto soja-sorgo/milho -feijão-guandu, e ambas superiores ao sistema de plantio direto milho-feijão-guandu/soja-sorgo e ao Cerrado. No segundo ano, o plantio soja convencional/milho, o plantio direto soja-sorgo/milho-feijão-guandu e o plantio direto milho-feijão-guandu/soja-sorgo apresentaram emissões estatisticamente semelhantes entre si e superiores ao Cerrado.
O período de pousio também foi monitorado, considerando o momento em que nenhuma cultura estava sendo cultivada em nenhum dos sistemas agrícolas. As emissões foram maiores no plantio convencional no primeiro e no segundo ano (1,40 kg/ha e 0,89 kg/ha, respectivamente) que nos sistemas de plantio direto, o que, segundo os pesquisadores, sugere que a sucessão de culturas no ano agrícola é uma prática importante para promover ganhos do ponto de vista ambiental, além de outros benefícios agrícolas.
Quanto à produtividade de grãos (soja e milho) e às emissões de N2O em escala de produtividade (miligrama de gás emitido por kg de grão) para as safras 2013/2014 e 2014/2015, foi observado que os sistemas com cultura principal de milho (plantio direto milho-feijão-guandu/soja-sorgo no primeiro ano; planejamento direto soja-sorgo/milho-feijão-guandu e plantio convencional no segundo ano) produziram rendimentos mais elevados (ver tabela 2 ).
Na estação de cultivo de 2014-2015, as emissões de N2O na escala de rendimento dos sistemas avaliados foram estatisticamente semelhantes e mais elevadas que na estação 2013-2014. No entanto, na safra 2014-2015, o plantio direto milho-feijão-guandu/soja-sorgo foi mais eficiente que o plantio convencional soja/milho, ou seja, emitiu menos N 2 O por kg de grãos.
As emissões acumuladas de N2O foram maiores na primeira safra (milho) no sistema de plantio direto soja-sorgo;milho-feijão-guandu entre 2014 e 2015 (254,88 mg N2O/kg grão). Nesse caso, a adubação nitrogenada e a mineralização de resíduos não só podem ter sido responsáveis por aumentar a concentração de nitrogênio mineral, principalmente na estação chuvosa e em temperaturas mais altas no verão.
Para a segunda safra, foram observadas diferenças entre 2013 e 2014 para o sorgo, que, assim como o milho, foi fertilizado com nitrogênio, enquanto entre 2014 e 2015 não foram observadas diferenças na segunda safra sob o sistema de plantio direto. Segundo os autores do estudo, a explicação pode estar na variabilidade de variações climáticas como chuvas e temperatura. Já o milho em plantio convencional, apesar do elevado rendimento de grãos, apresentou as maiores emissões de N2O, sendo, portanto, o sistema menos eficiente.
Os pesquisadores acreditam que as diferenças nas emissões de N2O entre os anos podem ser atribuídas justamente à sequência de culturas utilizadas no período avaliado. O estudo do sorgo, por exemplo, apesar de estar sob SPD e de ter recebido uma única fertilização com nitrogênio, emitiu emissões semelhantes ao sistema convencional. Além disso, no primeiro ano (2013-2014), as emissões das segundas culturas sob SPD foram mais baixas no caso da cultura de cobertura não fertilizada (feijão-guandu) comparativamente fertilizada (sorgo). “Portanto, a escolha da segunda safra pode alterar completamente o padrão de emissões”, observa Alexsandra de Oliveira.
Outro fator que justifica as variações anuais nas emissões de N2O é a sazonalidade das chuvas nas condições tropicais do Cerrado, onde o período de desenvolvimento das plantas é regulado pelo volume e regularidade das chuvas, que podem ser interrompidos por períodos de seca com diferentes durações. “Vários estudos descobriram que as variações das emissões de N2O são controladas pela umidade do solo. As chuvas estimulam a atividade microbiana no solo e podem induzir picos nos fluxos diários de N2O. Esse efeito pode ser prolongado ou potencializado se a disponibilidade de substratos de nitrogênio não for alta”, explica a pesquisadora.
“Esses resultados demonstram que as emissões de N2O na região do Cerrado devem a interações que envolvem manejo do solo com ou sem o seu preparo, gerenciamento e sequência de culturas e variações de solo e clima”, afirma a pesquisadora Arminda de Carvalho , também da Embrapa Cerrados, acrescentando que as emissões cumulativas de N2O no período 2013-2015 mostraram uma clara distinção entre os usos do solo avaliados.
Os autores do artigo lembram que, como já demonstrado por estudos anteriores sobre o bioma, o preparo convencional é o sistema de cultivo que mais promove aumento nas emissões de N2O e se diferencia das áreas sob florestas nativas. “Por outro lado, o acúmulo de diferentes frações da matéria orgânica no sistema de plantio direto é um fator-chave para a redução das emissões de N2O do solo no Cerrado”, ressalta o professor Cícero Figueiredo, da UnB.
Oliveira acrescenta que o comportamento intermediário do sistema de planejamento direto (SPD) no estudo indica que o sistema é uma alternativa aos sistemas convencionais. “Porém, a sequência da cultura deve ser escolhida com cuidado, uma vez que foram observadas emissões diferentes entre os tipos de plantio direto”, recomenda.
Além de Oliveira, Figueiredo e Carvalho, são autores do estudo Artur Muller , Juaci Malaquias , Marcos Carolino de Sá , João Paulo Soares e Marcos Vinícius dos Santos (bolsista), da Embrapa Cerrados, e Fabiana Piontekowski Ribeiro e Isis Lima dos Santos, da UnB.
O papel do N2O nas mudanças no climaObservações de longo prazo apontam que, entre os períodos 2011–2020 e 1850–1900, a temperatura média global aumentou 1,09 °C, acompanhada pelo aumento dos gases de efeito de estufa (GEE). A tendência crescente da concentração de N2O observada desde 1980 é, em grande parte, impulsionada pela expansão e intensificação da agricultura global. Estudos apontam que cerca de 77% do N2O derivado da atividade humana é emitido por solos agrícolas. Entre as opções de manejo do solo que promovem a adaptação e a mitigação das mudanças climáticas, o Sistema Plantio Direto (SPD) tem sido amplamente ampliado como uma promessa de manejo de conservação do solo para reduzir os efeitos os efeitos ambientais como destruição e eliminação do solo, garantindo ao mesmo tempo a produtividade agrícola a longo prazo. No entanto, estudos recentes afirmam que os efeitos dos sistemas de plantio direto no rendimento das culturas e nas emissões de GEE variação de acordo com a idade, a sequência e a rotação da cultura do SPD. Os sistemas agrícolas de alto rendimento são frequentemente caracterizados por altas taxas de consumo de energia de combustíveis fósseis, uso excessivo de nutrientes, manipulação do solo e poluição da água . SPD e o preparo convencional (PC) causam emissões de N2O de maneira diferente, devido a alterações na estrutura do solo, nas taxas de aplicação de nitrogênio e no acúmulo e estabilização de matéria orgânica do solo . Todos esses fatores também são fortemente influenciados pela sequência da cultura. “Por isso, práticas agrícolas sólidas, que contribuem para tornar a ciclagem de nutrientes, principalmente de nitrogênio, mais eficiente, e para reduzir os GEE, especialmente o N2O, devem ser previstas em nível nacional e regional”, afirma Alexsandra de Oliveira, acrescentando que a diversificação agrícola favorece a ciclagem de nutrientes e o fornecimento de matéria orgânica, enquanto a monocultura pode contribuir para maiores emissões de N2O devido à intensa degradação do solo e ao uso excessivo de fontes de nitrogênio. |