Especialistas debatem estratégias para reduzir perdas e desperdício de alimentos
Com o objetivo de promover ações efetivas externas ao combate à fome e à inclusão socioprodutiva, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) realizou, em 3 de abril, um workshop para retomar e atualizar a Estratégia Intersetorial para a Redução de Perdas e Desperdício de Alimentos no Brasil. O evento contou com a participação de diversos especialistas do governo, instituições públicas e setor privado.
Esse é um tema estratégico, apresentado na agenda do governo federal por meio do programa Brasil sem Fome, e consta no planejamento estratégico do MDS, de acordo com Patrícia Gentil, diretora da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan-MDS). Ela agradeceu o apoio da Embrapa Alimentos e Territórios na contextualização e alinhamento das informações sobre o tema nos últimos anos, para que a agenda seja retomada levando em conta o histórico de ações de 2018 até hoje.
“Precisamos levar em conta que muita coisa mudou desde 2018, quando a Estratégia a ser atualizada foi lançada. Além do impacto da pandemia, mais atores estão envolvidos com o tema, a transformação digital ganhou força e também precisamos acompanhar os avanços dos projetos de lei no parlamento”, informou a secretária Lilian Rahal, da Sesan. Ela ressaltou que, em 2023, o MDS já avançou com a revigoração do comitê gestor da rede brasileira de bancos de alimentos e deu respostas efetivas a diversas ações de fomento à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), entre elas, a nova cesta básica.
Fortalecimento das políticas públicas
Além disso, Rahal destacou quatro políticas públicas, coordenadas pelo MDS, que possuem alinhamento com o tema do lixo: o Alimenta Cidades, o Plano Brasil Clima – SAN, o programa de agricultura urbana e periurbana e a Rede Brasileira de Bancos de Alimentos (RBBA) . A Embrapa participa do Grupo de Trabalho (GT) do Plano Brasil Clima – SAN, colabora com a implementação do Alimenta Cidades e foi formalmente convidada para fazer parte do comitê gestor da RBBA.
Para Adalberto Maluf, secretário do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o tema é relevante também no contexto de mitigação das mudanças climáticas e está presente na “Estratégia Nacional de Resíduos Orgânicos Urbanos: Redução do Desperdício de Alimentos, Compostagem e Reciclagem”, que está sendo elaborado pelo Instituto Polis, com subsídios de diversos atores, incluindo a Embrapa. Ele lembrou que o governo participou de conferência sobre desperdício de alimentos na última COP e o assunto tem crescido em importância nos debates internacionais sobre a sustentabilidade dos sistemas alimentares.
“A Embrapa é mais reconhecida por vários ativos tecnológicos desenvolvidos que evoluíram para redução de perdas e desperdício de alimentos (PDA) em diversas cadeias produtivas, mas também atuamos com contribuições a políticas públicas, revisão de projetos de lei e em cooperações internacionais sobre esse tema com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o G-20 e a Rede Champions 12.3, por exemplo”, disse Gustavo Porpino, analista da Embrapa Alimentos e Territórios .
Ele ainda destacou as capacitações que a Embrapa oferece para diversos públicos, como estudantes, merendeiras e produtores rurais. Somente em 2023, ocorreram capacitações para 720 merendeiras em Alagoas, promovidas numa parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Outra ação é o curso de tecnologia pós-colheita, iniciado em 2011 pela Embrapa Instrumentação e parceiros, que inclui módulos sobre rastreabilidade, colheita, beneficiamento, nanotecnologia, análises não destrutivas e Produtos Minimamente Processados. O curso já alcançou mais de 8 mil pessoas no formato virtual nos últimos dois anos.
“Para estruturar uma estratégia sobre PDA, além do planejado, temos o desafio de buscar meios de implementação. Atualizar os eixos prioritários levando em conta um conceito amplo de inovação, social inclusivo”, afirmou Porpino. “Hoje há mais claramente a necessidade dessas estratégias serem multissetoriais, ter indicadores de acompanhamento e buscar meios para financiar pesquisas sobre o assunto. A governança deve criar sinergias com outras estratégias – Alimenta Cidades do MDS e Gestão de Resíduos do MMA, por exemplo.
Parcerias público-privadas
Também é preciso ações mais focadas no pequeno produtor rural, segmento que mais cuida de transferência de tecnologia, conforme o analista. “O cenário ideal é evoluir para uma coalizão público-privada (PP) que colocaria essa estratégia em prática”, concluiu Porpino. Ele citou que alguns países como Austrália, África do Sul, México, Reino Unido, Holanda e Suíça têm coalizões PP revolucionários. O instituto australiano The Fight Food Waste Cooperative Research Centre, por exemplo, captou US$ 5 milhões para projetos de pesquisa.
O pesquisador Marcos David, da Embrapa Instrumentação, convidou pesquisas realizadas sobre revestimentos comestíveis de formulações distintas. Destacam-se aqueles de base de origem vegetal – plant based – com o uso de nanotecnologia – nanoemulsão de cera de carnaúba –, proporcionando um revestimento mais uniforme com redução no metabolismo do fruto e na perda de massa, com extensão na vida de estrutura. Um modelo de inovação aberto é adotado pela Embrapa Instrumentação (São Carlos, SP) em parceria com a QGP Tanquímica e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A tecnologia já foi inserida no mercado pela empresa norte-americana Agrofresh em vários países com limão taiti, manga e outras frutas.
A quantificação das perdas nas principais cadeias produtivas é fundamental, na opinião de Murillo Freire, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos. Ele acredita que é preciso envolver o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na retomada dessa iniciativa e dar continuidade ao planejamento inicial da pesquisa já planejada entre a Embrapa e parceiros.
Dados da realidade brasileira
O professor Walter Belik, representante do Instituto Fome Zero, sugeriu ainda atuação próxima ao Legislativo, no sentido de acompanhar os projetos de lei em tramitação, e a formação de um consórcio de atores que podem liderar a agenda em conjunto com o MDS. Já Maria Siqueira, diretora de políticas públicas do movimento Pacto Contra a Fome, ressaltou o desafio de se elaborar a estratégia com a carência de dados abrangentes sobre perdas e desperdício de alimentos no Brasil, lembrando que é preciso envolver múltiplos atores com escuta real para se captar os desafios do campo à mesa.
O representante-adjunto no Brasil da FAO, Gustavo Chianca, enfatizou que os bancos de alimentos são um instrumento importante no combate à fome, mas é essencial envolver mais outros setores. Além disso, permanece o desafio de se gerar dados mais precisos para a realidade brasileira. “A FAO estará sempre atenta e atuante neste tema, no Brasil, em conjunto com o MDS e parceiros”, afirmou.
Najla Veloso, coordenadora do programa de alimentação escolar da FAO, destacou que o debate sobre desperdício é muito forte no contexto da sustentabilidade da alimentação escolar. Há três etapas importantes: melhorar o planejamento e o processo de compras públicas de alimentos para alimentação escolar; fazer o controle dos alimentos nas escolas – receber, armazenar, preparar e aproveitar sobras); e focar em processos educativos com ações de educação alimentar e nutricional e programas de conscientização, segundo a coordenadora.
A gerente do Pnuma, Fernanda Romero, informou que o programa colabora com o governo federal em várias frentes homologadas ao tema, incluindo o plano de economia circular com o Ministério da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a estratégia de gestão de resíduos com o MMA e projetos de pesquisa da Embrapa. O PNUMA está financiando novas coletas de dados sobre desperdício de alimentos em famílias para ampliar um estudo piloto realizado no Rio de Janeiro em 2023. Novos dados já foram coletados em São Paulo, Brasília e Osasco para apoiar as políticas públicas nacionais.
Segundo Marcus Peixoto, consultor do Senado Federal, é preciso transformar a estratégia de PDA em política de Estado amparada em legislação. Na visão de Lara Souza, coordenadora do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o programa de Boas Práticas Agrícolas está bem alinhado ao tema. Ela também reforçou a necessidade de se organizar os dados que já existem para que sirvam de ponto de partida dos trabalhos a serem feitos. O Mapa também deverá atuar no GT da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e apoiar para que uma estratégia seja transformada em política pública de Estado, de acordo com um coordenadora.
Fonte: Embrapa Foto: Divulgação MDS