Governo, comunidades e instituições debatem os desafios do manejo florestal comunitário na Amazônia
O seminário “Floresta da Gente” é realizado pela Embrapa Amazônia Oriental e pelo Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS), com o apoio da Prefeitura de Porto de Moz.
Com 1,2 milhão de hectares, a Resex Verde para Sempre, localizada no município de Porto de Moz, é a maior Unidade de Conservação de Uso Sustentável do Brasil, que este ano completou 20 anos de sua criação. Nela vive em cerca de 3 mil famílias organizadas em mais de 100 comunidades que têm na floresta o alimento, a saúde e o bem-viver. “A floresta nos oferece remédio, alimento, geração de renda, além da possibilidade de termos casa, transporte. Ela é como uma mãe”, declarou Edilene Duarte, moradora da Comunidade São Sebastião do Jussara.
“Essas famílias historicamente sempre tiraram da floresta os seus bens, seu alimento, seu meio de vida e de geração de renda gerenciando esse grande quantitativo de recursos naturais”, conta Anderson Borges, da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (SEAF PA).
As florestas são manipuladas para a remoção de produtos madeireiros e também não-madeireiros da sociobiodiversidade, a exemplo do açaí, do cacau.
Conservação da floresta
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A programação do seminário “Floresta da Gente” trouxe cinco painéis, onde os diretores executivos, do segmento florestal e das comunidades conheceram os resultados do projeto Bom Manejo 2 e debateram as experiências e os desafios do Manejo Florestal Comunitário e Familiar na reserva extrativista, mecanismos de crédito e mercado justo, políticas públicas e o marco legal e institucional do MFCF.
O Bom Manejo, projeto coordenado e executado pela Embrapa com apoio financeiro da Agência Brasileira de Cooperação (Ministério das Relações Exteriores), Fundação Instituto de Desenvolvimento da Amazônia (Fidesa), Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO) e do Governo Japonês, ao longo de duas fases desenvolvidas ferramentas para apoiar e facilitar a execução das práticas de manejo florestal e o monitoramento da floresta . São quatro softwares que focam em aspectos diferentes, porém complementares da atividade.
“Há uma ferramenta de planeamento da exploração madeireira, que é o BOManejo. Ela atua na execução de cada safra anual da floresta manejada”, explica Milton Kanashiro, pesquisador da Embrapa e coordenador do projeto. É uma ferramenta mais procurada por profissionais da área florestal e manejadores, segundo a equipe técnica.
As outras três ferramentas estão relacionadas à gestão e envolvimento, monitoramento do crescimento e da dinâmica da floresta (MFT); monitoramento financeiro das operações florestais (MEOF); e monitoramento da sustentabilidade e desempenho geral do manejo (MOP), como explica o cientista florestal e consultor do projeto, Max Steinbrenner.
As comunidades da Resex Verde para Sempre passaram por capacitações focadas no conteúdo das ferramentas e na divulgação de critérios técnicos para a boa execução e acompanhamento dos planos de manejo. “O projeto possibilitou a introdução de técnicas e conhecimentos básicos nas comunidades, como identificação botânica, monitoramento da produção, do trabalho das máquinas nas florestas. É possível avaliar se o manejo teve um bom resultado em termos sociais, econômicos e ambientais”, avalia Steinbrenner.
Para Carlos Eduardo dos Santos, do ICMBio, o Bom Manejo 2 se tornou uma referência para o monitoramento e para a execução do manejo florestal em unidades de conservação. “A inserção da pesquisa nas comunidades trouxe o conhecimento da floresta e o uso mais adequado que se pode fazer dela”, declarou.
Muito além da madeira
Na comunidade de Itapeua, localizada na Resex Verde para Sempre, em Porto de Moz (PA), a exploração da floresta para fins madeireiros é uma atividade importante para a renda das famílias. A associação local tem autorização legal para administrar uma área de 21 mil hectares na Verde para Sempre. A primeira extração madeireira aconteceu em 2016, segundo Evandro Pinheiro, presidente da Cooperativa dos Produtores Agroextrativistas do Médio Jaurucu.
“Estamos caminhando para a sexta UPA (Unidade de Produção Anual). A atividade é lucrativa para a comunidade, ela mantém nossa sobrevivência e nos possibilita ter recursos para outras atividades”, afirma a comunidade.
Para José Francisco de Jesus, o “seu Preto”, presidente da Associação Comunitária Agroextrativista do Rio Curuminim, a floresta é uma fonte modificada de recursos. “Às vezes a gente pensa que é só madeira, mas não. Temos resina, temos sensações, óleos. Temos castanha, o cipó. Tem muita coisa que a gente pode manejar e ser mais uma renda para cada família que quer se envolver, essa é a importante do plano de manejo para a nossa comunidade”, afirmou.
As comunidades apontaram também a necessidade de uma terceira fase do projeto Bom Manejo, que começou a ser desenhada no seminário. “O evento mostrou que é possível fazer manejo de uso múltiplo, mas é preciso políticas públicas que promovam mais condições às comunidades para desenvolverem suas atividades. O Bom Manejo fase 3 é uma necessidade urgente e precisa dar continuidade a um processo de diversificação que já se iniciou”, afirmou a comunitária Edilene Duarte.
No Dia Internacional das Florestas, 21 de março, o projeto Bom Manejo 2 destaca a importância da floresta e do manejo comunitário. De acordo com dados do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar , a Amazônia possui mais de 2,8 milhões de Km² de áreas comunitárias onde vivem comunidades rurais, tradicionais e povos indígenas. O uso comunitário das áreas envolve a gestão do território e dos recursos naturais presentes pelas comunidades e povos residentes no local. |
Arranjos institucionais e atuação em rede
Milton Kanashiro destacou o estabelecimento de arranjos institucionais como outro resultado importante do projeto Bom Manejo. “Participamos da construção do Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar e do Fórum Florestal. Esses conjuntos funcionam como advocacy, trazem força e capacidade de negociação para as comunidades”, defende o pesquisador.
Para Cesar Tenório, do Serviço Florestal Brasileiro, é fundamental trabalhar na lógica do território, juntando expertises e experiências de comunidades, governo, instituições técnicas e universidades. “Essa atuação conjunta pode convergir em projetos para posicionar competitivamente o manejo florestal comunitário no mercado de madeira, de produtos não madeireiros, de carbono e de turismo”, acrescentou.
Dulce Helena Costa, representante do Banco da Amazônia, reforça a importância da atuação em rede para a superação de desafios. “O crédito sozinho não dá certo. É importante trabalharmos em parceria com empresas, comunidade, instituições de pesquisa, ensino e extensão. O crédito é um apoio e deve caminhar junto com o setor produtivo”, destacou.
Já assistente de projetos da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) , Bruna Bastos, citou o projeto como um bom exemplo de cooperação internacional, “principalmente por ser uma cooperação feita não somente por instituições, mas também por pessoas, como vimos aqui em Porto de Moz”.
“Reunir instituições, comunidades e representações governamentais no nível local, estadual e federal para discutirem questões relacionadas ao manejo florestal comunitário foi um momento ímpar dentro do enceramento do projeto Bom Manejo 2. É a celebração de um projeto que está encerrando ao mesmo tempo que abre novas entradas e com a confirmação de que o manejo comunitário está na agenda do Brasil”, finalizou Milton Kanashiro, da Embrapa.
Fonte: Embrapa Foto: Jaime Souzza