Inovação potencializa uso de biocarvão como fertilizante na agricultura
Buscar soluções para reduzir a dependência do Brasil por fertilizantes importados é hoje uma das prioridades da pesquisa agropecuária
Pesquisa desenvolvida pela Embrapa Rondônia (RO), em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o Instituto Federal de Rondônia (IFRO) e a Universidade de Santiago de Compostela (USC), da Espanha, resultou em uma inovação que simplifica e agiliza a obtenção do biocarvão (biochar). Esse material vem mostrando bom potencial para geração de fertilizantes organominerais (obtidos a partir de matérias-primas de origem animal e vegetal), que podem ajudar o Brasil a reduzir a dependência de produtos importados. A nova tecnologia reduz de três para uma etapa a produção do biocarvão, porque o processo de combustão já incorpora partículas do solo, diferentemente dos convencionais, nos quais os carvões produzidos precisam ser primeiro ativados, para, depois, se misturarem ao solo.
O estudo apontou ainda potencial de ganhos ambientais para o solo, a partir da utilização do composto organomineral como veículo para aplicação de fertilizantes. Segundo o pesquisador da Embrapa Paulo Wadt, normalmente, são usados materiais inertes, como a areia, para completar as formulações NPK (nitrogênio/fósforo/potássio), o que não traz nenhum benefício para a terra. “O composto – resultante da mistura do biochar com o solo – pode reduzir a perda de nutrientes, aumentar a eficiência da aplicação do fertilizante e ainda agregar vantagens ambientais, como a diminuição da emissão de gases de efeito estufa (GEE) e maior sequestro de carbono”, diz.
“Observamos que a mistura gera um produto com melhores propriedades físicas e químicas e pode substituir a areia na aplicação de fertilizantes, controlando a liberação dos nutrientes no sistema solo-planta. Atualmente, até 80% do fósforo aplicado ao solo pode ser perdido por processos de fixação química, além das perdas que ocorrem com outros nutrientes”, complementa o pesquisador.
Quando utilizado como veículo para os fertilizantes minerais, o composto organomineral libera gradativamente os nutrientes no solo, possibilitando que as plantas os adquiram ao longo do seu desenvolvimento. Quando os nutrientes são aplicados com materiais inertes, a liberação é imediata, fazendo com que a planta aproveite apenas uma fração do que foi aplicado. O restante é perdido por diferentes processos geoquímicos e biológicos.
Buscar soluções para reduzir a dependência do Brasil por fertilizantes importados é hoje uma das prioridades da pesquisa agropecuária. Atualmente, o País consome 40 milhões de toneladas de fertilizantes, dos quais 85% vêm de outros países, especialmente da Rússia. Wadt acredita que a adoção dessa nova tecnologia para produção de biochar pode contribuir para reduzir o consumo de fertilizantes, impactando na economia de cerca de 10 milhões de toneladas anuais, sem perdas na produtividade das culturas agrícolas.
Ele explica que, por enquanto, os resultados estão em fase laboratorial. “A Embrapa espera por um parceiro para produzir o composto em escala, de forma a atender ao mercado”, enfatiza.
União de saberes em prol da agricultura brasileira
A solução encontrada pelos pesquisadores teve como inspiração os indígenas pré-colombianos, que faziam a combustão parcial dos resíduos orgânicos misturados ao solo de cultivo, criando a terra conhecida como Terra Preta de Índio. Mais uma vez, a troca de saberes entre ciência e conhecimento tradicional traz benefícios concretos à agropecuária brasileira.
As terras pretas, também chamadas de arqueológicas, destacam-se dos solos em seu entorno pela qualidade superior no que se refere à fertilidade do solo e pelas características físicas, como aeração, retenção de água e carbono orgânico. Esses solos ainda apresentam elevada resiliência aos processos de degradação da qualidade dos solos, suportando manejo mais intensivo de máquinas, com manutenção de suas características, como boa capacidade de drenagem aliada à maior retenção de água e melhor disponibilidade dos nutrientes, com destaque para o fósforo, um dos mais limitantes da produtividade agrícola na maioria absoluta dos solos brasileiros.
Outra vantagem dessas terras está no fato de fixarem o carbono em formas recalcitrantes, resistentes à decomposição microbiana, fazendo com que permaneça no solo por dezenas a centenas de anos, de uma forma quimicamente ativa, proporcionando diversos benefícios. “Por isso, além da redução das perdas dos nutrientes e da maior eficiência dos fertilizantes, essa tecnologia poderá contribuir para sequestrar de 15 a 45 milhões de toneladas de carbono ao ano, dependendo da proporção dos compostos organominerais contidos em cada formulação NPK”, afirma o pesquisador.
Wadt comenta que “as pessoas ficam maravilhadas com certas tecnologias antigas, como as pirâmides egípcias e as construções maias e incas, na América do Sul e Central, mas as terras pretas estão entre os maiores diferenciais tecnológicos das civilizações antigas”.
De acordo com ele, muitos estudos avançados já foram realizados na tentativa de reproduzir as qualidades das terras pretas em ativos tecnológicos, porém poucas aplicações práticas têm sido alcançadas. “Pensamos, nessa pesquisa, nos recursos que aquelas populações pré-colombianas acessavam, uma vez que não tinham grandes fornalhas, reatores ou estruturas industriais para produzir o biochar, ativar o produto e depois aplicar no solo. Então, fizemos o mais simples e prático, e o resultado foi fantástico”, comemora.
Potencialização do uso de fertilizantes de acordo com as culturas
Wadt explica que a maior parte dos experimentos científicos utiliza a técnica da pirólise (transformação por aquecimento de uma mistura ou de um composto orgânico em outras substâncias) para produzir carvões que, depois, precisam ser ativados e misturados ao solo. “Nossa solução foi mais simples: fazer a pirólise do material orgânico diretamente com a mistura do solo, o que resulta em um produto já ativado e com melhores propriedades físicas e químicas”, acrescenta.
Segundo a professora do IFRO Stella Matoso, uma das responsáveis pela pesquisa, os primeiros ensaios produzidos em laboratório foram realizados com solos de características físicas e químicas diversas e materiais orgânicos com diferentes proporções de ligninas (macromoléculas das plantas associadas à parede celular, cuja função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos). “Os resultados foram muito positivos e mostraram logo de início a vantagem dessa mistura: vimos que estávamos produzindo um material de fácil fragmentação e manipulação”, resume.
Foram realizadas também pesquisas de caracterização química do composto organomineral em Pernambuco e na Espanha. De acordo com o professor da UFRPE Valdomiro Souza Junior, esse foi um grande desafio metodológico que ainda precisa ser aperfeiçoado. “Nossas técnicas de pesquisa separam os componentes orgânicos e minerais para que possam ser estudados isoladamente. Nesse caso, temos um composto organomineral complexo, quimicamente rico e com novas propriedades físicas, o que nos coloca na fronteira do conhecimento nessa área”, pontua.
“Nossa pesquisa mostrou que podemos usar materiais orgânicos com diferentes proporções de ligninas e carboidratos para produzir compostos com maior ou menor taxa de retenção dos nutrientes incorporados”, argumenta Matoso. Com isso, é possível potencializar o uso de fertilizantes de acordo com os diferentes tipos de cultura: ciclo curto, ciclo anual e perene, com melhor controle da liberação dos nutrientes em conformidade com a demanda da planta.
Tecnologia está à disposição de parceiros
A tecnologia para produção do composto organomineral está à disposição de parceiros para multiplicação em larga escala.
Quem tiver interesse, pode entrar em contato com a Embrapa Rondônia pelo e-mail: cpafro.nco@embrapa.br.
Fonte: Embrapa Foto: Stella Matoso