Pauta de frente parlamentar reacende debate agronegócio X ambientalismo

Pauta de frente parlamentar reacende debate agronegócio X ambientalismo
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) realiza audiência pública semipresencial destinada a debater os problemas e entraves na organização do setor produtivo da Amazônia Legal, especialmente no estado de Rondônia, ante a morosidade no processo de regularização fundiária, bem como os conflitos decorrentes da ausência de regularização das áreas produtivas. Mesa: presidente da CRA, senador Acir Gurgacz (PDT-RO); assessor técnico da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Henrique Pereira. Diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Giuseppe Vieira em pronunciamento via videoconferência. Foto: Pedro França/Agência Senado

Representantes da Frente Parlamentar da Agropecuária apresentam pontos de interesse do setor

 

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) elegeu como pautas prioritárias para o Senado em 2022 os projetos que alteram os marcos regulatórios da regularização fundiária (PL 2.633/2020), do licenciamento ambiental (PL 2.159/2021) e dos agrotóxicos (PL 6.299/2002). Todos já foram aprovados pela Câmara dos Deputados, mas sofrem divergências entre entidades e parlamentares ligados à pauta ambientalista.

Regularização fundiária

O projeto que altera o marco da regularização fundiária é defendido pelo presidente da Comissão de Agricultura (CRA), Acir Gurgacz (PDT-RO). Em entrevista à Agência Senado (veja abaixo), Gurgacz destacou que o PL 2.633/2020 (que tramita junto com o PL 510/2021, do senador Irajá (PSD-TO) dará segurança jurídica para milhares de produtores.

A mesma linha foi seguida pelo secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, por Nabhan Garcia, em audiência recente na CRA. Para ele, a aprovação do novo marco regulatório possibilitará o reconhecimento de títulos de propriedade, por exemplo, para milhares de posseiros sulistas que emigraram para o Norte e o Centro-Oeste em décadas passadas.

— Essa regularização cumpre a questão social. No Norte não tinha estrada, comunicação, só área de florestas, esperando por essas famílias, que são heroínas. Jamais o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] pode esquecer de regularizar essas famílias, muitas até perderam seus entes para doenças como a malária — observou.

Na mesma audiência, o representante do Incra, Giuseppe Vieira, defendeu que o novo marco desburocratiza os processos de regularização fundiária, especialmente os processos mais antigos. Edson Rodrigues, da Federação da Agricultura e Pecuária de Rondônia, acredita que o PIB de seu estado crescerá 40% em cinco anos caso a proposta se concretize.

— A regularização dará dignidade para milhares de produtores. Os processos fundiários nunca terminam, as ações são iniciadas e não continuadas. As alterações de normas obrigam a reanálise de processos e o caos fundiário gera conflitos agrários — argumentou.

O representante da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Henrique Pereira, em audiência realizada em abril, enfatizou a necessidade de preservação ambiental.

— A área real passível de regularização na Amazônia Legal representa 5% da área total. A titulação promove a proteção ambiental e a recomposição da vegetação nativa, já desmatada, nos moldes do Código Florestal. Identifica infratores e garante a adequada regularização no combate à grilagem de terras, às queimadas e aos desmatamentos ilegais.

Já setores ligados ao ambientalismo fazem fortes críticas ao novo marco da regularização fundiária. Para a advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Brenda Brito, o projeto cumpre “mais uma vez” o rito da regularização de terras griladas, que marca a história brasileira. Segundo ela a Amazônia perdeu 20% de sua cobertura florestal nos últimos 30 anos, o que se deve em muitos casos à invasão de terras públicas. Essa situação tem levado a uma pressão sobre o Executivo e o Legislativo visando justamente alterar a lei para favorecer os que ocupam terras ilegalmente.

— É um ciclo de ocupação e desmatamento. Se a lei em vigor não permite que as ocupações sejam tituladas, privatizadas, há uma pressão para que a legislação seja modificada para favorecer os que estão ocupando as terras. E se a lei é alterada para atender esses interesses, o que a gente tem é o início de um novo ciclo, porque se eu acabei de mudar uma lei para favorecer quem está ocupando área recentemente, por que não posso mudar uma lei depois para favorecer as ocupações que vão continuar ocorrendo? É nisso que a gente acaba ficando preso, nesse eterno looping do ciclo da grilagem — disse a advogada em audiência na Comissão de Meio Ambiente (CMA).

Licenciamento ambiental

Para Gurgacz, o projeto que cria a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental vai reduzir a burocracia nos processos, padronizar procedimentos e dar agilidade aos empreendimentos no setor.

Porém, diferentes esferas ligadas à pauta ambiental têm se organizado contra o projeto, que foi bastante criticado por artistas do Movimento 342 Amazônia durante encontro em março  com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Para o articulador da audiência, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a proposta também está na lógica do reconhecimento do “ciclo da grilagem predatória”.

— Por mais paradoxal que pareça, é isso na prática. Regulariza a prática criminosa da grilagem. E todas essas matérias são ameaçadoras para o ecossistema do país e em especial ao ecossistema da Amazônia — criticou o senador.

Agrotóxicos

Também o projeto que flexibiliza a liberação de agrotóxicos divide opiniões. Atualmente, a análise de registros é feita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O PL 6.299/2002 concentra o poder decisório sobre a liberação de pesticidas apenas no ministério.

O projeto também fixa prazos para a obtenção dos registros — com possibilidade de licenças temporárias quando não cumpridos os prazos — e suaviza a classificação explícita de produtos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.

Gurgacz já apresentou à CRA relatório favorável à aprovação do novo marco regulatório. Ele cita posicionamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para quem o novo marco deve aumentar investimentos em inovação e segurança.

“Sabemos que hoje o processo de registro de pesticidas é moroso devido à excessiva burocracia. É necessária a simplificação do registro e a centralização das ações no Ministério da Agricultura”, aponta o senador.

Quanto à análise de riscos, Gurgacz afirma que o novo marco “tem metodologia usada na maioria dos países desenvolvidos, considerando a exposição ao pesticida, e não apenas suas características intrínsecas”. Com isso, diz, o agronegócio brasileiro ganhará “ainda mais dinamismo”.

O presidente da CRA cita ainda a posição da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja/MT), para quem esse novo marco impacta positivamente o custo na produção de alimentos.

Já a posição de setores ligados ao ambientalismo é totalmente contrária ao que chamam de “pacote do veneno”. Representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a biomédica Karen Friderich disse que 81% dos agrotóxicos permitidos no Brasil já são proibidos em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo ela, o PL 6.299/2002 fragiliza a fiscalização e não melhora a segurança alimentar, porque não vai facilitar a aprovação de produtos menos tóxicos. Na opinião de Friderich, o Brasil corre o risco de virar um “escoador de inseticidas proibidos” em outros países.

— Somos terminantemente contra a aprovação dessa proposta. Além de a gente não ter um monitoramento eficaz do uso destes pesticidas, o projeto ainda restringe essas informações, e retira os especialistas em saúde e meio ambiente das decisões sobre os registros. A matéria só é interessante pra quem fabrica agrotóxicos — disse a biomédica em audiência pública recente na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

A advogada Naiara Bittencourt, da Articulação Nacional da Agroecologia, também fez críticas ao projeto.

— É importante reforçar que a proposta não traz qualquer medida de gestão ou mitigação de riscos ambientais. O projeto é uma vedação ao direito das pessoas a uma alimentação adequada — ressaltou.

Posicionamentos

Procurando oferecer mais subsídios à sociedade sobre esse debate, a Agência Senado entrevistou os presidentes da CMA, Jaques Wagner (PT-BA), e da CRA, Acir Gurgacz (PDT-RO). Também foram entrevistados a cientista e ecóloga Rita Mesquita, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Carvalho.

Fonte: Agência Senado  Foto: Pedro França

 

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