Meu filho autista não aceitou as intervenções estéticas que fiz
Por JOSI GONÇALVES– Desde que o Davi, meu filho de nove anos que tem autismo, teve terror noturno, que é um episódio de pânico durante o sono, muita coisa mudou nas nossas vidas. De luzes totalmente apagadas, passamos a dormir de luz acesa na cara e eu me mudei pra cama dele.
Evoluímos muito desde a crise que já tem lá seus quase seis anos. Ele já consegue dormir com aquela luzinha de led que liga na tomada. O problema é que ele cresceu muito, 1,46 m, e a cama dele ficou pequena pra nós dois. Em dias que estou de boa, sem cansaço físico e mental, consigo esperar ele dormir pra ir pra minha cama.
Mas há dias em que estou inquieta e ele percebe que se dormir, eu vou me mandar pra minha cama e ele vai ficar sozinho. Esperto, segura o sono e esgota minha tolerância de ficar uma hora ou mais acordada esperando ele dormir. Sem saída, carrego ele pra cama de casal. O pai dele é que troca de cama. As coisas se inverteram. Pelo menos até ontem.
Essa semana fiz uns procedimentos estéticos no rosto que, normalmente deixam a face inchada nos primeiros dias seguintes ao processo. No primeiro dia foi tudo bem com ele, que já estava muito cansado e me perguntou quanto tempo ia durar aquilo no meu rosto.
Eu relativizei. Disse que no outro dia já ia estar legal. Só que sei que demora mais um pouco. Fomos dormir.De manhã, a primeira coisa que o Davi faz ao acordar é ficar trocando carinhos comigo e tocando um sinal que tenho no joelho direito e pelo qual ele nutre uma estranha paixão. Ontem foi diferente. Meu filho acordou, sentou de solavanco e perguntou:
– Como tá sua cara hoje?
Polidamente respondi que ainda não estava legal, mas ia melhorar. Ele disse: vamos levantar, então. Fiquei sem afagos carinhosos naquela manhã, para minha decepção, e durante todo o dia.
Ontem à noite, quando fui lhe dar banho, ele pediu para que fosse o papai a fazê-lo. Estranhei. Ele sempre prefere que eu cuide dele no chuveiro. Perguntei o motivo. “Sua cara me incomoda”, respondeu seco.
Fomos dormir em seguida e notei que ele se embrulhou no edredom dele e ficou muito sério bem no cantinho extremo da cama. Normalmente ele, malandramente, joga minha coberta no chão para que a gente fique agarrado debaixo do mesmo cobertor.
Perguntei o que estava havendo. Sem rodeios, ele tasca:
– Sua cara.
– O que é que tem minha cara?
– Tá feia!
– E você não vai dividir seu cobertor comigo por causa disso?
– Não, disse com franqueza e me deu as costas. E olha que ele é todo medroso.
– Posso ao menos me encostar em você?
Outro “não” redondo e sem deixar margens pra dúvidas.
O pai, com quem ele nunca quer dormir junto “por causa dos pelos no peito”, perguntou:
– Quer que eu vá dormir com você?
Para minha surpresa a resposta foi positiva e enfática. Fui destituída da minha cama assim, sem delongas, sem remorsos, sem dó. (risos).
Sem defesa a meu favor, peguei meu cobertor, troquei meu travesseiro com o pai dele e fui dormir chateada na cama dele.
Só me resta esperar o rosto desinchar pra ser aceita de novo pelo membro mais rígido da casa.
Torcendo aqui para ele me achar bonita de novo. Quem mandou eu quebrar a rotina sem ao menos avisar, né?
Agora, eu que lute! (risos)
Fonte: Josi Gonçalves