Como é lidar com um filho com esquizofrenia e tendência suicida?
Por JOSI GONÇALVES – Entrar no quarto enquanto ele dorme pra ver se está respirando passou a fazer parte da minha rotina. Meu coração bate forte no peito por receio do que posso encontrar. As batidas aliviam após constatar que se trata apenas de um sono profundo. Essa é apenas uma das rotinas que fazem parte da minha vida.
Meu filho mais velho tem 24 anos é autista e esquizofrênico paranóide, doença psíquica que eclodiu aos 15 anos. Desde então já passamos por dezenas de médicos e há cinco anos ele faz tratamento no Centro de Assistência Psico Social – CAPS. O acompanho em todas as consultas. Estou sempre presente na vida dele. É minha prioridade.
É triste pra uma mãe ouvir de um filho que a vida pesa, dói. Mesmo grande, a gente quer colocar no colo e ninar. Tudo fica pior quando não se tem fé. Meu filho é ateu.
Apesar da doença, ele tem a cognição preservada. É muito inteligente, fala inglês fluente desde os 15 anos. Aprendeu sozinho. Mas apesar do cérebro privilegiado tem sérias dificuldades em várias áreas da vida.
Não anda de ônibus sozinho pois tem medo de se perder, não toma banho de mar porque considera que tem muitos microorganismos nocivos à saúde, tem medo que eu morra porque acha que vai virar morador de rua.
Alia-se a isso o fato de não conseguir ter sonhos nem metas profissionais. Já mudou trocentas vezes de opinião sobre o que quer fazer da vida. Diz que não sente paixão por nada. Chegou a cursar duas faculdades. Desistiu das duas.
Por causa dos remédios psicotrópicos que toma, dorme por 24 horas seguidas. Um dia inteiro perdido. Mas ele até gosta porque se sente inútil nas outras 24 horas que fica acordado. Passa o dia no quarto, jogando, conversando com os amigos virtuais, ouvindo música ou filmes.
Não tem um amigo presencial sequer. A vida dele passa em brancas nuvens. Até se relacionou com alguém, mas isso tem uns quatro anos. O quarto é seu refúgio. É nele que passa o dia todo. Raramente socializa com a família, suas conversas geralmente são tensas e carregadas comigo. Com o irmão caçula, de nove anos e também autista, conversa em inglês, idioma preferido de ambos.
Mas sua mente bipartida o isola de todos e do mundo. Me desespero por não poder ajudá-lo como queria. E o que eu queria era que ele fosse feliz, tivesse sonhos, acreditasse no futuro. Me decepciono com a ciência que ainda não desenvolveu um medicamento que possa ajudar pessoas nas mesmas condições do meu filho a terem uma vida normal, a ter os sintomas controlados.
Com os remédios, o que ele sente é apenas diminuído, atenuado, mas não a ponto de influenciar na qualidade de vida. Às vezes ele dá voltas incontáveis no quarto por causa de pensamentos repetitivos, chega a ter assaduras entre as pernas. Outras vezes ele briga com as vozes internas que o mandam se cortar (e ele já se mutilou), amputar um braço, comer a própria carne. É uma luta consigo mesmo. Todos os dias. Já pensou viver assim?
Uma mãe que tem um filho com esse nível de esquizofrenia tem duas características dominantes: também é triste, por não poder resolver a dor que consome o próprio filho, e é vigilante. Até a escolha de onde se vai morar é um fator importante. Em andares altos de prédios, nem pensar! As gavetas da cozinha têm que ser monitoradas constantemente pra ver se não faltam facas. E por falar em facas, elas não podem ser amoladas.
Meu filho é lindo, tem tanta vida pela frente, mas eu me pergunto: – Será sempre assim? Cada dia ele morre um pouco. E eu também. Meu amor é o que nos salva. Minha fé também. Sou espírita.
Esse não é um texto feliz, é apenas um desabafo de mais uma mãe entre milhares desse Brasil, que se sentem impotentes para tirar do fundo do poço a própria cria, que não sente o menor interesse pela vida.
Fonte: Josi Gonçalves