Microempreendedor vilhenense aposta em negócio inédito e colhe ótimos frutos da iniciativa ousada
Entre ser um empresário falido e encarar um novo desafio comercial, Durcinei Souza optou por vencer na vida
Por Maria R. Gabriela
Véspera de Natal de 2016. O empresário vilhenense Durcinei Natalino de Souza, à época com 41 anos, paga seus sete funcionários, deseja boas festas a todos e vai para casa buscar a esposa. Juntos, os dois seguem para um supermercado da cidade, onde escolhem os itens da tradicional ceia de 24 de dezembro e do almoço especial do dia seguinte.
Porém, ao passar os alimentos no caixa, um choque percorre a espinha de Souza. Ele, que havia deixado os empregados felizes com seus recebimentos, não tinha dinheiro para pagar a própria compra. “Dei um cheque pré-datado e percebi, naquele momento, que minha única saída tinha sido me endividar para poder celebrar o Natal com minha família. Vendo-me naquela situação, me dei conta que estava ganhando menos que meus funcionários. Não tinha feito investimentos ao longo do ano e nada havia me sobrado”, conta o homem que, desde 2006, era proprietário da Casa das Rodas, localizada na área central de Vilhena e especializada em motos.
“Passei as festas de fim de ano consciente de que teria que fazer alguma coisa, pois o destino da empresa era a falência. Para não chegar a esse ponto, decidi fechar as portas. Desta forma, assim como meus ex-empregados, teria que ‘me virar’ para sobreviver. Eu tinha que encontrar uma solução e, Graças a Deus, tive uma ideia que mudou minha vida”, complementa Souza.
Mais que uma ideia, Souza teve o que se chama de feeling no setor de negócios. Ele pegou as ferramentas de seu extinto comércio e montou novamente a Casa das Rodas, em menor proporção e de um jeito inédito na região: uma loja móvel no ramo de mecânica, borracharia e venda de peças para moto, a exemplo de relação, aro, câmara, rolamento e rodas. Tudo isso acondicionado num trailer simples, engatado num antigo Corsa, ano 94.
“Eu fui no Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), expus meu projeto, recebi orientações e abri uma empresa no sistema Microempreendedor Individual (MEI). Isso feito, levei o trailer para a lateral do canteiro da BR-364, na Avenida Marechal Rondon, perto do Ponto de Taxi Nacional, na saída para Porto Velho. Abri a oficina e coloquei as peças à mostra. Para minha surpresa, desde o primeiro dia de funcionamento já apareceram vários clientes. Entre ser mais um desempregado ou apostar num comércio pequeno, mas inovador, dentro da legalidade, preferi a segunda opção e vejo que foi uma decisão acertada”, declara.
SUCESSO IMEDIATO
Souza esclarece que o fluxo de pessoas no estabelecimento foi aumentando e continuou em alta, mesmo com a pandemia. Detentor de amplo conhecimento no segmento de peças, mecânica de motos e serviços de borracharia, o microempreendedor afirma que não tem do que reclamar ao ser questionado sobre lucros. “Ganho o suficiente para manter minha família com dignidade”, dispara o entrevistado, informando que o velho Corsa só é utilizado para o transporte do trailer. A família tem outro carro e uma moto para demais situações.
Pelo método móvel, todos os dias Souza desloca o trailer de sua residência, no Setor 19, percorre quatro quilômetros e o estaciona no calçamento entre a lateral da Avenida Marechal Rondon e o canteiro da BR-364, onde atende ao público das 6h às 18h, quando retorna com todos os pertences para sua residência.
Se está feliz? – “Muito!”, é a resposta espontânea de Souza. “Trabalho tranquilo. Saio do trailer, deixo tudo aberto e ninguém mexe. Tenho muitos amigos e clientes. Não me preocupo mais com aluguel, com impostos, com nada. Tenho alvará da prefeitura para usar o espaço e pago o ponto de luz elétrica para a companhia de energia”.
FACILIDADES
A preocupação do mecânico com impostos acabou, especialmente, porque no sistema MEI o valor do Documento de Arrecadação Simplificado (DAS) é baixo e fixo. São apenas R$ 61 por mês para atividades de serviço e comércio e estão incluídos. neste valor. os cálculos do INSS e do ICMS e/ou ISS. “Também não é exigida a contratação de um profissional de contabilidade, que gira em torno de um salário mínimo. Assim, com esse dinheiro eu posso empregar um ajudante, que pode ser até mesmo o meu filho de 14 anos, caso ele queira”, adianta Souza.
Esta entrevista com ele foi feita na tarde do dia 1 deste mês (set./2021) e sofreu várias interrupções para que o mecânico pudesse atender aos clientes. Em uma hora, foram cinco. Entre eles, o lavrador Jones Freitas (30), freguês costumaz da oficina. “Sempre venho fazer a manutenção da minha moto com ele, pois o serviço é muito bom, o preço é mais baixo e não tenho que esperar muito”, explica Freitas.
Outro que parou na empresa móvel, para trocar o amortecedor da moto, foi o operador de máquinas pesadas Joel Rodrigues Ramos (49). “É a primeira vez que venho neste trailer. Vários amigos me indicaram esse local e resolvi experimentar esse tipo de atendimento. É incomum ver uma oficina funcionando assim, mas, pelo que já me disseram sobre o serviço e o atendimento prestados aqui, estou muito confiante”, salienta Ramos.
Após a substituição da peça, ele se disse satisfeito e revelou que havia feito orçamentos em outras empresas. “Este foi o mais em conta”, constatou, aproveitando para trocar, também, os rolamentos do veículo. O impressionante foi o tempo gasto por Souza para a realização dos dois serviços: menos de 15 minutos. “Rápido demais! A gente não perde tempo!”, comemora o operador de máquinas.
Também o mototaxista Dalmo Lopes de Lima (57) foi atendido durante a reportagem. “Aqui é a casa dos mototaxistas”, foi logo dizendo.
Lima completou que era cliente do microempreendedor desde a antiga empresa. “Agora, ficou melhor ainda. Tudo é feito com brevidade, os preços são acessíveis e a simpatia do proprietário é nota dez”, avalia ele, que aguardou apenas alguns minutos pelo desempeno de uma das rodas da motocicleta.
OUTRO FEELING
Um detalhe interessante é que o trailer de Souza foi construído por ele mesmo. A estrutura possui instalações de água, luz e expansão com lona. E engana-se quem pensa que ao final da tarde o trabalho do mecânico acaba. “Em minha residência tenho um pequeno barracão onde construo carretinhas para moto sob encomenda, adequando-as para as necessidades do cliente. Faço, em média, três por mês, com um lucro de quarenta por cento sobre o material utilizado”, detalha.
O serviço, esclarece ele, o ocupa das 18h às 21h e, se preciso, durante o dia nos finais de semana e feriados. “Porém, sempre deixo um tempo reservado para a minha família, que está em primeiro lugar em tudo”, assinala
O negócio das carretinhas, segundo Souza, surgiu de uma atividade lúdica. Ele esclarece que, “um dia, fiquei lembrando de minha infância, do tempo em que construía carrinhos de madeira para imitar os caminhões de carroceria que eu via nas estradas rurais perto do sítio de meus pais, em Tarilândia (distrito de Jaru/RO), onde eu cresci. Eles carregavam leite, bois, madeira e eu fazia cada carrinho de acordo com o que eu queria ‘transportar’. Então pensei que eu podia transformar aquela brincadeira em coisa de adulto que rendesse dinheiro, caso fabricasse carretinhas de ferro para motos e as vendesse. Assim eu comecei mais esta atividade, há cerca de cinco anos, que também é lucrativa e prazerosa”, afirma Souza.
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Mesmo sem condicionar uma coisa outra, Souza dá uma retribuição exemplar à sociedade por aceitar sua nova forma de trabalho. Na área do canteiro em que fica o trailer existem, atualmente, sessenta pés de mandioca, bananeiras e um mamoeiro, todos plantados por Souza.
Antes haviam também hortas de rúcula e alface. “Planto essas coisas para a população passar aqui, colher e levar para casa. Eu chego a avisar as pessoas que podem pegar, sem pagar nada. Daqui a dois meses essas mandiocas já estarão no ponto de colheita para quem quiser. Na verdade, pretendo tirar uma parte para entregar ao lar dos idosos. Até lá, já terei feito uma horta de rúcula junto ao mandiocal”, ressalta o mecânico que, além de suas plantações, cuida de uma goiabeira e um pé de pitanga que já estavam no terreno.
Membro da Igreja Adventista, Souza tem outra ação elogiável em prol da sociedade. Ele organiza, em Vilhena, o Projeto Vida Por Vida, que promove um dia de doação de sangue entre os fieis, sempre que o estoque do hemocentro fica em risco. “Num único dia conseguimos cerca de cinquenta bolsas de sangue. Temos certeza que ajudamos muita gente com essa ação simples, que só depende do bom coração das pessoas”, observa.
Souza ainda faz parte do Programa Construtor da Esperança, desenvolvido pela igreja, que faz consertos em casas de pessoas necessitadas. “A gente se une, compra os materiais e arruma o que for preciso, principalmente telhados danificados por chuvas”, exemplifica.
Fotos: Revista Século
Abaixo, cenas comuns no trabalho de Souza: