Entenda como funciona o regime semipresidencialista sugerido para o Brasil a partir de 2026

Entenda como funciona o regime semipresidencialista sugerido para o Brasil a partir de 2026

Decisão sobre implantação do novo modelo de governo tem que passar pelo Congresso Nacional

Maria R. Gabriela

Durante entrevista à CNN, sábado passado, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sugeriu que a implantação do sistema semipresidencialista seria uma opção de mudança para a forma de governo brasileiro. A medida, segundo ele, deveria ser adotada a parir de 2026 para que o país alcance estabilidade política.

“Nesse regime, se for o caso, é muito menos danoso que caia um primeiro-ministro do que um presidente. Quando um presidente cai, assume um vice-presidente que pode não estar alinhado com as propostas do eleito”, justificou Lira na entrevista.

O QUE É

O semipresidencialismo é um modelo de administração que mescla elementos do parlamentarismo e do presidencialismo. Neste regime continua existindo a figura do presidente (no Brasil, eleito pelo povo), mas surge também a figura de um primeiro-ministro, como é em outros países, a exemplo da França.

Esse primeiro-ministro não é escolhido pelos eleitores, mas sim, pelo parlamento. O ponto principal é que ele divide funções no Poder Executivo, sendo que a gestão de demandas internas e o comando do governo fica a cargo do primeiro-ministro.

A adoção de um regime semipresidencialista carece de discussões no Congresso Nacional, e não serão poucas, e o tema também vai dividir opiniões entre a população.

Século ouviu dois professores com atuação acadêmica na área de política e sociologia sobre a viabilidade do novo modelo de governo ser adotado no Brasil.

Segundo o professor do Departamento de Economia nas cadeiras de Economia Brasileira, Economia Amazônica e Economia Política da Unir – Universidade Federal de Rondônia/ Porto Velho, Edilson Lôbo do Nascimento, “vez ou outra, quando passamos por determinadas instabilidades políticas, aparecem propostas de mudanças no que diz respeito a reformas em nosso sistema político. Tende-se a atribuir essas crises conjunturais ao nosso sistema de governo, que é presidencialista. Particularmente, entendo que o problema do Brasil é muito mais de ordem estrutural. Pouco importa mudarmos o sistema de governo, se as questões de ordem estruturais persistirem”.

De acordo com ele, “desse ponto de vista, temos dois aspectos, ao meu olhar, fundamentais a serem considerados: um de ordem econômica, que diz respeito ao nosso brutal processo de desigualdade, que vai implicar, necessariamente, em desdobramentos na vida prática da nossa sociedade e outro, de ordem cultural, está na origem – ou na gênese – do Estado brasileiro, assentado numa concepção oligarca, paternalista, populista que, no tempo histórico, proporcionou todo tipo de mecanismos desviantes dos nossos governos, da Colônia à República”.

“Nessa perspectiva, me somo àqueles que entendem que a simples mudança de um regime presidencialista para um semipresidencialista, sem que as condições fundantes da nossa histórica situação estrutural sejam alteradas, não resolveria, a rigor, os aspectos de causalidade que desaguam nas frequentes crises políticas brasileiras” continua Lôbo.

MINISTROS DO STF JÁ APOIAM A IDEIA

O professor explica, ainda, que “na prática, numa eventual crise política, destitui-se o primeiro-ministro e/ou o seu gabinete, preservando a figura do presidente. Nessas circunstâncias, é necessária a aprovação da maioria do Parlamento. No Brasil, já está em curso a discussão sobre esse sistema, encontrando várias figuras importantes a apoiá-lo, como os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e José Roberto Barroso, que também preside o TSE. Para sua concretude, é necessária uma mudança constitucional através de uma PEC a ser submetida ao Congresso Nacional”.

Conforme Lôbo, “convém ressaltar que já houve iniciativas na perspectiva de uma mudança em nosso sistema de governo e, para tanto, foi submetido ao referendo popular as alternativas de governos propostas entre a monarquia e a república, o presidencialismo e o parlamentarismo, como mecanismos de governabilidade do Brasil. A proposta foi rejeitada pela maioria quando foi submetida ao voto popular, em 1993”.

O professor ressalta, ainda, que mudança de tamanha magnitude, com implicações profundas no sistema político brasileiro, cujos reflexos se farão sentir na população, não deve ser algo a ser feito de assodamento, de cima para baixo, mas através de um amplo debate envolvendo amplos setores da sociedade, de tal sorte a garantir-lhe legitimidade.

“Para além dos aspectos já citados, no que tange às questões de ordem estruturais e culturais, condição essencial é a participação ampla e democrática da população, conferindo aos resultados, garantia na legitimação de tão complexa escolha. Ao fim e ao cabo, é ela quem arca com as principais consequências das decisões tomadas”, observa.

Outro que se posiciona sobre o tema é o professor Marcus Fernando Fiori, do Departamento de Biblioteconomia da Unir, lecionou a disciplina de Teoria Política no curso de Jornalismo na Unir/ campus de Vilhena e hoje atua no campus de Porto Velho.

“O presidencialismo é característico das repúblicas, onde o poder emana da vontade popular e existe a separação e independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No caso do Brasil, tem que ficar claro que o nosso sistema é o ‘presidencialismo de coalisão’, expressão criada pelo cientista político Sérgio Henrique Abranches e incorporada pela Constituição de 1988. A coalizão implica na necessidade dos poderes Executivo e Legislativo viverem em fina sintonia para que o sistema funcione”.

Para Fiori, “o multipartidarismo presente no Congresso Nacional força o presidente a buscar uma ampla coalizão para garantir a governabilidade através de uma base parlamentar, pois é improvável que um partido sozinho consiga formar maioria num cenário de trinta e três partidos, registrados no Tribunal Superior Eleitoral, como é o caso brasileiro. As coalizões são comuns em regimes parlamentaristas, mas se tornou uma marca do presidencialismo brasileiro”.

Ele joga mais uma luz ao tema: “Semipresidencialismo induz à ideia de compartilhamento do poder Executivo entre um presidente e um primeiro-ministro. Não pode ser considerada uma república parlamentar por ter um chefe de Estado eleito pela população. O gabinete, embora seja nomeado pelo presidente, tem que prestar contas ao legislador, que pode obrigá-lo a demitir-se através de uma “moção de censura”. Dezenas de países são conduzidos por esse sistema, como, por exemplo, Egito, França, Polônia, Portugal, Rússia, Ucrânia e Romênia”.

NÃO FUNCIONARIA

O professor resume que, “no Brasil, o semipresidencialismo não funcionaria, assim como não funciona o presidencialismo de coalizão. Por uma razão simples: o semipresidencialismo consiste na ideia de ampliação do poder do parlamento e temos um parlamento de péssima qualidade, onde um em cada três congressistas respondem a processos no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos mais variados crimes. Instituir o novo regime, diante deste quadro, significa colocar os destinos da nação nas mãos de um parlamentar da qualidade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que foi candidato de Jair Bolsonaro à presidência da Câmara e é alvo no de ações no STF sob suspeitas que vão desde associação criminosa à corrupção passiva e ativa”.

Ele complementa que, “o presidencialismo de coalização, por seu lado, é regido pelo toma-lá-dá-cá, pois se não é possível ao partido do presidente formar uma maioria parlamentar, o caminho mais fácil é “comprar” essa maioria. Essa ‘compra’ se dá por meio de um vigoroso balcão de negócios cuja principal moeda de troca são as famigeradas emendas parlamentares. Em casos extremos, a compra se dá em dinheiro vivo através de malas de dinheiro proveniente de caixa-dois. No Brasil, o caso mais famoso de compra de apoio parlamentar em dinheiro vivo entrou para a história com a alcunha de “mensalão”, escândalo que emergiu em 2005 e, por pouco, não derrubou o governo do então presidente, Luís Inácio Lula da Silva (PT)”.

MAS, EM QUE CONSISTE O SISTEMA SEMIPRESIDENCIALISTA?

O professor Edilson Lôbo do Nascimento esmiúça um pouco mais o semipresidencialismo. “Pela literatura existente, pode-se afirmar que o regime tem raízes originárias na França, por volta de 1958, e o seu exercício já se efetiva em vários países como, Portugal, Rússia, Egito, Romênia, Irlanda, além da própria França. É um sistema híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo. Isso pressupõe a incorporação de elementos tanto de um sistema quanto do outro, como também lhe confere a divisão de poderes”.

Entendendo a possibilidade de mudança para o semipresidencialismo, como funcionaria esse sistema?

Lôbo esclarece que os apoiadores do semipresidencialismo entendem que este sistema, permite uma mudança mais rápida no Legislativo e no Executivo em caso de falta de governabilidade ou representatividade popular. Porque?

“No sistema Presidencialista, o presidente é escolhido pelo voto direto, acumulando superpoderes enquanto chefe de Estado e chefe de Governo. Para os críticos do Presidencialismo, quando, eventualmente, não há uma boa harmonia entre executivo e legislativos, comprometendo ações de políticas gerais de governo, isso gera frequentes estremecimentos políticos que resultam na fragilidade do poder republicano”.

Ainda conforme ele, “como há uma complexa engrenagem de proteção à figura da Presidência, as crises políticas podem perdurar o tempo que permanece o seu mandato, aprofundando a crise e comprometendo a saúde do país em toda sua extensão. Já no sistema semipresidencialista, considerada uma diarquia, ou seja, uma divisão das chefias pactuada entre o presidente e o Primeiro- ministro, enquanto o primeiro cuida das questões de Estado, como a política externa, comando das Forças Armadas, entre outras, o segundo se preocupa com as políticas de governo juntamente com o seu gabinete, estabelecendo uma relação mais harmoniosa entre o Executivo e o Legislativo. Isso evitaria maiores desgastes, como é comum acontecer no sistema presidencialista, entre o chefe de Estado e o Parlamento”.

Foto de abertura: Pixabay

Professor Marcus Fiori: “Hoje somos regidos pelo péssimo presidencialismo de coalizão” (Foto: Arquivo pessoal)
Professor Lôbo: “A discussão sobre o novo modelo já encontra apoio em figuras importantes do País” (Foto: Arquivo pessoal)

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