“Não passamos a mão na cabeça dos presos”
O advogado Bruno Mendes, vice-presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Assuntos Penitenciários da OAB, subseção de Vilhena, afirma que a sociedade desaprova a atuação da entidade por desconhecer seu verdadeiro papel no sistema carcerário. “Não defendemos o crime, apenas fazemos cumprir as leis brasileiras nas unidades prisionais”, diz ele.
O sistema carcerário brasileiro sempre foi um dos setores mais complicados da administração pública. De um lado, a polícia prendendo. De outro, a Justiça soltando. E, no meio dessa dualidade, a atuação de entidades ligadas aos direitos humanos.
Em Vilhena, o advogado Dr. Bruno Mendes Santos, vice-presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Assuntos Penitenciários da OAB, subseção local, e membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalista (Abracrim), concedeu entrevista a SÉCULO esclarecendo o verdadeiro papel da entidade junto às unidades prisionais.
Ele afirma que tem conhecimento do fato dos defensores dos direitos humanos serem malvistos pela grande maioria da sociedade, mas atribui isso a “uma distorção entre o imaginário e o que é de fato real no nosso trabalho”.
Deste ponto de vista, você faria alguma correção na conhecida frase “Direitos humanos são para humanos direitos”?
Bruno Mendes – Esta frase estaria correta se fosse colocada da seguinte maneira: “Direitos humanos são para os direitos dos humanos”. A comissão não existe para defender o crime, mas sim os direitos dos presos previstos em leis. Há uma diferença muito grande entre querer mordomias para os detentos e apenas cuidar para que seus diretos sejam respeitados, assim como de toda a sociedade que tenha, de alguma forma, seus direitos violados.
Que direitos dos presos, por exemplo?
Bruno Mendes – Um apenado que já cumpriu parte da sentença e tem o direito de ir para o semiaberto, ou outro regime menos gravosos, mas continua em regime fechado; uma mulher grávida presa preventivamente numa cela penitenciária quando sua condição lhe garante a prisão domiciliar; uma alimentação escassa ou de má qualidade; tortura de presos e maus-tratos. Estes são alguns casos que recebem a nossa interferência.
Essas situações acontecem em Vilhena?
Bruno Mendes – Algumas acontecem e a comissão está atenta para resolvê-las. Posso citar a ocasião da greve dos agentes penitenciários, quando policiais militares assumiram as funções no sistema carcerário e recebemos denúncias sobre mudanças que afetaram tanto os detentos do presídio de segurança máxima instalado na cidade quanto seus familiares. Entre elas, a proibição de visitas, racionamento de água, corte de energia e retirada de objetos das celas, a exemplo dos ventiladores, deixando os presos num ambiente de extremo calor, mal iluminado e com pouquíssima ventilação natural. Verificamos que isso realmente estava ocorrendo, agimos rapidamente em nível local com visitas, memorandos e, também, envio de ofício à Comissão de Prevenção e Combate à Tortura do Estado de Rondônia, composta por advogados e assistentes sociais, que veio de Porto Velho para averiguar a conjuntura do sistema prisional.
E quais foram os resultados práticos desta atuação?
Bruno Mendes – Os integrantes da Comissão de Prevenção e Combate à Tortura confirmaram que aconteceram violações aos direitos dos presos e, em conjunto conosco, pediram providências urgentes para reparar os danos. Com essa ação, foi providenciada a ventilação natural nos ambientes e restabelecidas as visitas, porém os ventiladores ainda não foram restituídos, uma vez que a retirada dos aparelhos se deu legalmente, através de determinação da Justiça local. Continuamos lutando para conseguir a volta dos aparelhos às celas, pois o calor continua excessivo para os detentos. Já a falta de luz elétrica e ventilação configuraram violação aos direitos e são demandas que estão sendo acompanhadas. Por
outro lado, já foram aumentadas as janelas e providenciada iluminação externa com refletores.
Mais algum caso de destaque?
Bruno Mendes – Recebemos a denúncia de excesso de força policial quando houve uma tentativa de motim na Casa de Detenção de Vilhena, ocorrida neste mês. As informações que nos chegaram deram conta que bombas de efeito moral e spray de pimenta foram usados contra presos que nem faziam parte do movimento. Sobre essa denúncia nós conversamos com a direção do estabelecimento, que as negou. Outra situação envolve a remoção de um detento para hospital por ter sido atingido por uma bala de borracha que causou ferimentos em sua perna. As investigações sobre essas denúncias ainda estão em andamento.
Como a Comissão de Direitos Humanos procede após receber as denúncias? Quem geralmente denuncia?
Bruno Mendes – As denúncias partem de familiares e mesmo dos presos durante visitas que fazemos nas unidades. A comissão é presidida pela advogada Dra. Aisla de Carvalho e demais membros. Quando somos acionados, a OAB é comunicada, os integrantes da comissão se reúnem e dividem as tarefas depois de definidas as estratégias a serem abordadas. São casos em que podemos ingressar com ações, pedidos judiciais e administrativamente com os órgãos do sistema prisional se não houver como solucionar o problema de forma amigável entre as partes. Em circunstâncias de extrema dificuldade os trabalhos envolvem a Defensoria Pública.
Entre os problemas encontrados pela comissão da OAB vilhenense, qual é o mais difícil de ser resolvido?
Bruno Mendes – É a superlotação, constante nas unidades, não só de Vilhena, mas de todo o País. Em 12 de abril passado, quando estivemos no presídio de segurança máxima, haviam 370 homens confinados nas instalações, cem a mais do que a capacidade do local.
Há casos em que a comissão atue para coibir a violência entre os apenados, a exemplo de presos sob risco de agressão ou morte por outros detentos?
Bruno Mendes – Temos um cuidado especial nesse aspecto para garantir-lhes o direito à integridade física. No entanto, contamos com a conscientização dos agentes penitenciários que não misturam presos de facções criminosas diferentes em mesmas celas ou pavilhões. Da mesma forma, presos por estupro, pedofilia e violência contra a mulher são colocados em celas diferenciadas ficando inacessíveis a ataques dos demais detentos. Porém, já ocorreu caso de detento que foi preso por feminicídio e, apenas minutos após sua entrada, já havia sido agredido brutalmente por outros presidiários. Os demais confinados não sabiam, ou não deveriam saber o motivo de seu ingresso ao sistema carcerário, mas é certo que eles obtiveram essa informação, talvez até repassada por pessoas de fora. Mas foi muito rápido. Este é um dos casos que estamos investigando também. Um grande problema nesse aspecto é o acesso a telefones celulares pelos presos. Em 12 de fevereiro, por exemplo, uma vistoria encontrou dezesseis aparelhos nas celas. Só Deus sabe como eles chegaram até os apenados.
Como você classifica a situação do sistema carcerário de Vilhena em relação às demais unidades de Rondônia?
Bruno Mendes – Os agentes penitenciários reclamam de poucos recursos, pois o município fica longe da capital e isso prejudica os trabalhos no setor de segurança. Recentemente, o Grupo de Ações Penitenciárias Especiais (Gape) de Vilhena foi extinto. São agentes com treinamento tático para lidar com motins, importantes para que os danos sejam, pelo menos, minimizados. Na última tentativa de motim na casa de detenção de Vilhena foi necessário vir o Gape de Rolim de Moura para transferir presos para a unidade daquela cidade.
Quanto ao albergue, como estão as coisas por lá?
Bruno Mendes – Até o momento não nos foi relatada ocorrência que motive uma visita urgente ao lugar. Quando for necessário visitaremos a unidade.
E o presídio feminino?
Bruno Mendes – Fora o problema de mulheres em excesso nas celas, houve a informação de grávida detida preventivamente e colocada numa cela, o que, por entendimento do Superior Tribunal Federal, é errado, pois ela deve responder o processo em prisão domiciliar até que haja sentença condenatória.
Tranquilo também no Centro de Ressocialização para Menores?
Bruno Mendes – Não temos conhecimento de infrações aos direitos dos jovens. Por lá, nesse aspecto, tudo corre normal também.
Você tem conhecimento da percepção da sociedade quanto à atuação das entidades defensoras dos direitos humanos?
Bruno Mendes – Tenho sim, e infelizmente em alguns casos não somos bem vistos pela população. Acredito que, por ignorância sobre o real papel das comissões de direitos humanos, as pessoas sintam revolta quanto ao nosso trabalho. Elas querem punir o criminoso demasiadamente, não têm um limite. Entretanto, se a sociedade está descontente com as penas, ela deve pressionar o Legislativo para mudá-las.
A nossa parte é outra: se o detento for condenado a dez anos de reclusão em regime fechado, nós vamos lutar para que ele cumpra essa pena em condições dignas, conforme previsto no Código de Execuções Penais, nada mais do que isso. A sociedade carece de informações nesse sentido. Não estamos aqui para passar a mão na cabeça dos presos, mas para garantir que tenham o mínimo necessário para a sobrevivência digna deles. Não é porque agiram de forma errada que eles perderam todos seus direitos. Continuam tendo seus direitos e seus deveres. Acima de tudo deve-se manter a dignidade da pessoa. Mas, pelo fato de estarmos em defesa dos direitos dos apenados, sempre temos críticas da sociedade em geral que não reconhece que os presos já estão pagando por seus crimes. São pessoas que não entendem que nós não estamos defendendo os presos, mas sim as leis.
Diante desse cenário, você tem algum receio por atuar na Comissão de Direitos Humanos? Teme alguma represália?
Bruno Mendes – Não, pois acredito no bom senso de todos e, inclusive, não tenho receio em expor minha imagem, pois acredito no trabalho da comissão para o fortalecimento das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos. Familiares de vítimas jamais nos procuraram para reclamar do nosso trabalho.
Publicado na Versão Impressa em Junho/2019