“Matar o criminoso e salvar o homem”
Unidade prisional da Apac, sem policiais e agentes penitenciários, será instalada em Vilhena. A entidade garante a recuperação de mais de 90% dos apenados, além de custo de apenas um salário mínimo e meio por detento ao mês, enquanto no sistema convencional o Estado gasta quatro.
Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), uma entidade civil, sem fins lucrativos, vai ganhar um importante reforço em Vilhena: a instalação de uma unidade prisional com a metodologia da instituição, sem policiais e agentes penitenciários.
O sistema beneficia os detentos com capacitação em várias áreas profissionais para que possam conseguir emprego após conquistar a liberdade. Para cumprir suas penas na unidade, 100% dos presos têm que estudar e trabalhar numa dura rotina, que começa às 6h e só é encerrada às 22h. Em entrevista a Século, a presidente executiva da Apac/Vilhena, Weslaine Amorim, fala sobre as mudanças que vão ocorrer no sistema carcerário da comarca a partir da implantação da nova penitenciária.
Uma estrutura sem policiais nem agentes penitenciários não proporcionaria mais problemas e fugas?
Weslaine Amorim – Isso não ocorre, até mesmo pela metodologia da Apac, uma entidade sem fins lucrativos que se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, ao mesmo tempo em que protege a sociedade, socorre as vítimas e promove a justiça restaurativa. O objetivo da associação é gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Sua finalidade é
evitar a reincidência no crime e proporcionar condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social.
De que forma isso é possível?
Weslaine Amorim – A Apac opera como uma entidade auxiliar dos poderes Judiciário e Executivo, respectivamente na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade. Os presos contam com uma rotina diária que inicia às 6 da manhã e termina às 10 da noite. Durante o dia todos trabalham, estudam e se profissionalizam, evitando a todo custo a ociosidade. Com uma disciplina rígida, a associação possui um conselho formado por recuperandos que contribui decisivamente para a ordem, o respeito e o seguimento das normas e regras. Trata-se de uma prisão onde é permitido o uso de objetos cortantes como garfo e faca nas refeições, além de furadeiras, lâminas e serrotes nas oficinas de trabalho profissionalizantes. Quem guarda as chaves do presídio é um detento, que cumpre pena como qualquer outro da unidade. As celas têm uma cama pra reeducando e eles podem ver televisão, assistir a jogos de futebol, etc. Além das visitas normais, os presos têm direito a telefonemas para a família duas vezes por semana.
E Vilhena passará a ter esse modelo de cárcere?
Weslaine Amorim – Sim, com certeza. No Brasil, a primeira associação nasceu em São José dos Campos (SP), em 1972, sendo idealizada pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni e um grupo de amigos cristãos. Na Região Norte só há uma penitenciária Apac, implantada há um ano, aqui em Rondônia, em Ji-Paraná, com ótimos resultados.
Agora chegou a vez de Vilhena. A previsão é de que, até o final deste ano, teremos o presídio do método Apac operando no município. Porém, já desenvolvemos atividades da Apac em Vilhena desde 2015, com nosso trabalho sendo consolidado dia pós dia. Todos os sábados uma equipe nossa vai até o presídio Cone Sul (segurança máxima) realizar palestras sobre a metodologia para os detentos. As atividades não significam uma redução de pena maior à estipulada pelo Código Penal. Já avançamos muito, mas ainda precisamos avançar mais, pois este presídio, com esta metodologia, será um sonho. A diferença vai ser que, se uma pessoa foi condenada a trinta nos de reclusão, por exemplo, irá cumprir sua sentença de forma mais humanizada.
Onde será instalada a penitenciária da Apac?
Weslaine Amorim – Será no antigo prédio da Polícia Civil, localizado no final da Avenida Major Amarante, sentido Porto Velho. Em maio passado o governador Marcos Rocha (PSL) esteve na nossa cidade e destinou a estrutura para que o nosso presídio seja instalado no local. Nós temos um governador entusiasta desta metodologia e, em suas afirmações, ele diz que, se depender dele, cada comarca terá uma Apac. No Cone Sul, o município de Colorado do Oeste também caminha a passos largos para a implantação do sistema.
Qualquer preso pode ir para o regime Apac, independente do crime que praticou?
Weslaine Amorim – A Apac é para todos, mas nem todos são para a Apac. Fortalece-se, a cada dia, a corrente vinculada à defesa dos direitos humanos, que coloca a necessidade de novas práticas de ressocialização do preso e a humanização das cadeias. Os tribunais de Justiça estão aderindo a esta metodologia, porém, há um critério fundamental a ser seguido: o detento deve ter bom comportamento intraprisional, independente do crime cometido. Vale lembrar, juntamente com o apoio para se recuperar, o reeducando consegue restabelecer os laços familiares, motivo pelo qual é importante que a família resida na comarca.
Falamos dos benefícios aos condenados, mas, e para a sociedade? Quais serão eles?
Weslaine Amorim – São muitos: o custo de cada preso para o Estado corresponde a quatro salários mínimos por mês, enquanto na Apac é de apenas um salário e meio. O índice nacional de reincidentes no sistema convencional fica em torno de 85%, enquanto na Apac corresponde a 8,62%, o que dá mais segurança à população. E, mesmo quando voltam a cometer crimes, estes tendem a ser de menor potencial que outros já praticados. O método apaqueano tem transformado os reeducandos em cidadãos de bem, reduzindo a violência fora e dentro dos presídios, consequentemente, diminuindo a criminalidade e desafogando o sistema carcerário local, o que oferece à sociedade a tão sonhada paz.
De que forma a entidade é administrada?
Weslaine Amorim – Principalmente com a participação de voluntários. A instituição é composta pela Diretoria Executiva e seus respectivos conselhos que são eleitos em assembleias pelos demais associados, tendo ainda os seus sócios natos, que são o juiz de execução penal aqui de Vilhena, atualmente o doutor Adriano Lima Toldo, e os presidentes da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Cârama Municipal, assim como o chefe do Poder Executivo. Também o promotor de Justiça Elício de Almeida e Silva é sócio nato da Apac. A instituição não é remunerada para ajudar os condenados. Ela se mantém através de doações de pessoas físicas, jurídicas e entidades religiosas, bem como de contribuições de seus sócios, parcerias e convênios com o poder público, instituições educacionais e outras entidades, além de captação de recursos junto a fundações, institutos e organizações não governamentais. Nosso maior problema é conseguir voluntários para a causa. Talvez por preconceito, ou mesmo por medo de haver algum incidente, são raras as pessoas que se dispõem a atuar junto a detentos.
Numa época em que os Direitos Humanos são tão achovalhados, por que você decidiu encampar a Apac?
Weslaine Amorim – Eu seria egoísta se fosse pensar só em mim e em minha família. Eu não tenho parente presos, nem ascendentes ou descendentes nesta situação, mas resolvi me voluntariar pela causa, por entender ser a prática de algo bom. O nosso município cresceu e vem crescendo muito e, com isso, a criminalidade também aumenta, o que é lamentável. Por isso, é gratificante ter essa visão de praticamente transformar um presídio em escola, contribuindo para melhorar o sistema carcerário que é um verdadeiro deposito de gente e, comprovadamente, não recupera ninguém. Na Apac, a principal filosofia é “matar o criminoso e salvar o homem”. A entidade entende que um preso recuperado é uma arma a menos a serviço do crime na sociedade.
Publicado Versão Impressa em Julho/2019